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Médicos com burnout têm duas vezes mais chances de comprometerem a segurança do paciente

Na maior e mais abrangente revisão sistemática sobre o assunto já realizada, pesquisadores do Reino Unido e da Grécia fizeram uma metanálise de 170 estudos observacionais avaliando a associação entre o burnout em médicos e a qualidade do atendimento ao paciente e o comprometimento com a profissão

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Um estudo publicado em 14 de setembro no periódico BMJ revela que a probabilidade de médicos com síndrome do esgotamento profissional (burnout) se envolverem em incidentes relacionados à segurança do paciente é duas vezes maior, e quase quatro vezes maior para a insatisfação com o trabalho.

Na maior e mais abrangente revisão sistemática sobre o assunto já realizada, pesquisadores do Reino Unido e da Grécia fizeram uma metanálise de 170 estudos observacionais avaliando a associação entre o burnout em médicos e a qualidade do atendimento ao paciente e o comprometimento com a profissão.

A equipe, composta de pesquisadores de universidades britânicas (Manchester, Leeds, Surrey, Cambridge, Keele e Westminster), da Bradford Royal Infirmary (no Reino Unido) e da Universidade Aristóteles de Salonica (na Grécia), usou os seguintes elementos e definições:

Burnout em médicos’:

  • Sensação de exaustão emocional avassaladora; estar acima do limite e exaurido(a) emocional e fisicamente;
  • Cinismo e distanciamento do ofício – despersonalização –, caracterizados por respostas negativas, insensíveis ou excessivamente desinteressadas; e
  • Sensação de ineficácia e baixa realização pessoal, com sentimentos de realização e produtividade inadequadas no trabalho e incompetência.

‘Comprometimento com a profissão’:

  • Satisfação profissional;
  • Arrependimento pela escolha da carreira; e
  • Intenção de rotatividade.

‘Desenvolvimento profissional’:

  • Produtividade

‘Qualidade do atendimento ao paciente’:

  • Incidentes relacionados à segurança do paciente;
  • Falta de postura profissional; e
  • Insatisfação do paciente.

Os pesquisadores analisaram estudos de Estados Unidos, Reino Unido, Europa, África, Américas, Sudeste Asiático, Mediterrâneo Oriental e Pacífico Ocidental, além de um estudo multinacional; 63% foram baseados em um ambiente hospitalar, 17% em um cenário de atenção primária e 19% em ambientes mistos, envolvendo um total de 239.246 médicos.

Burnout é ruim para o comprometimento com a profissão

A análise revelou que, de forma geral, os médicos com burnout apresentavam tendência até quatro vezes maior de estarem insatisfeitos com seu trabalho, com razão de chances (RC) de 3,79 (intervalo de confiança [IC] de 95% de 3,24 a 4,43), em estudos envolvendo 146.980 participantes.

A síndrome foi associada a um aumento de mais de três vezes no arrependimento pela escolha da carreira, com RC de 3,49 (IC 95% de 2,43 a 5,00; n = 33.871 médicos); de maneira semelhante, à intenção de rotatividade (ideação ou intenção de largar o emprego), com RC de 3,10 (IC 95% de 2,30 a 4,17; n = 32.271); preocupações com o desenvolvimento da carreira (RC de 3,77; IC 95% de 2,77 a 5,14; n = 3.411); e houve uma associação discreta, porém significativa, com a queda na produtividade (RC de 1,82; IC 95% de 1,08 a 3,07; n = 9.581).

burnout e a redução na satisfação com o trabalho foram observadas predominantemente em ambientes hospitalares, entre médicos entre 31 e 50 anos de idade e entre emergencistas e intensivistas, em contraposição à menor incidência em generalistas.

burnout dos médicos também é ruim para os pacientes

Médicos com esgotamento profissional foram duas vezes mais propensos a se envolverem em incidentes relacionado à segurança do paciente (RC de 2,04; IC 95% de 1,69 a 2,45; n = 41.059). À medida que o burnout aumentou, a probabilidade de achados relacionados com a falta de profissionalismo também duplicou ​​(RC de 2,33; IC 95% de 1,96 a 2,70; n = 32.321), e as chances de baixa satisfação por parte dos pacientes em relação à assistência prestada por médicos com burnout foi duas vezes maior (RC de 2,22; IC 95% de 1,38 a 3,57; n = 1.002).

A associação entre burnout e incidentes relacionados à segurança do paciente foi maior em médicos de 20 a 30 anos (RC de 1,88; IC 95% de 1,07 a 3,29; = 0,03), que trabalham em hospitais (RC de 2,16; IC 95% de 1,46 a 3,19; P < 0,001), especificamente entre emergencistas e intensivistas (RC de 2,10; IC 95% de 1,09 a 3,56; P = 0,02) e entre médicos em treinamento ou cursando residência (RC de 2,27; IC 95% de 1,45 a 3,60; P = 0,001). Em contrapartida, a associação entre burnout e a falta de profissionalismo foi atenuada no grupo com maior experiência, sendo mais baixa entre os médicos com mais de 50 anos (RC de 0,36; IC 95% de 0,19 a 0,69; P = 0,003).

A força de trabalho deve aumentar ‘para fornecer níveis seguros de recursos humanos’

Referindo-se ao estudo, a Dra. Katherine Henderson, presidente do Royal College of Emergency Medicine, disse ao Medscape: “Os resultados deste estudo em larga escala são verdadeiramente preocupantes. Sabemos que os emergencistas têm mais risco de burnout, e os últimos anos têm sido extremamente desafiadores para estes profissionais. A pesquisa GMC Trainees de 2022 evidenciou que os estagiários em medicina de emergência relataram o mais alto nível de esgotamento profissional entre todas as especialidades.

“O burnout é uma consequência do aumento da carga de trabalho e de um ambiente lotado. No Reino Unido, sabemos que há um déficit de 2.000 a 2.500 especialistas e médicos em especialização. Não podemos pedir que a equipe faça mais com pouco; é vital que a força de trabalho aumente, para fornecer níveis seguros de recursos humanos. Isso aliviaria a carga sobre o quadro atual de profissionais, e reduziria o burnout. Os achados do estudo que mostram uma associação entre o aumento do burnout e um maior envolvimento em incidentes relacionados à segurança do paciente são realmente preocupantes e devem ser abordados”.

“Reconhecemos as dificuldades enfrentadas pela equipe; incentivamos nossos membros a cuidarem de si mesmos e de seus colegas, garantindo que tenham tempo adequado para descanso e recuperação.”

A maioria dos médicos fazendo especialização refere burnout

Os autores do estudo citaram a GMC’s National Training Survey 2021 , na qual um terço dos médicos em especialização relataram burnout em um grau “alto ou muito alto”. O relatório de 2022, publicado em julho, mostrou que a parcela de médicos referindo burnout aumentou para mais de três em cinco, junto com dois terços dos médicos generalistas em treinamento. O General Medical Council (GMC) alertou que o “risco atual de esgotamento profissional é o maior de todos os tempos”, desde quando o rastreamento começou, em 2018.

Solicitado a comentar o estudo, o diretor do GMC, Charlie Massey, disse ao Medscape: “Nossa pesquisa mostra até que ponto os serviços de saúde estão lutando para se recuperarem da pandemia. Nosso relatório de 2019, Caring for doctors, caring for patients, identificou a necessidade premente de abordar o bem-estar dos médicos e o efeito indireto no atendimento ao paciente. Dados mais recentes (da National Training Survey de 2022) mostram que a exaustão e a insatisfação se mantiveram em níveis prejudiciais para os médicos e os pacientes”.

“Precisamos renovar o foco para garantir que os locais de trabalho em nossos serviços de saúde sejam inclusivos e solidários. O apoio aos médicos deve estar no centro das futuras decisões de políticas direcionadas à força de trabalho para, em última análise, proteger melhor os pacientes dos efeitos do esgotamento profissional e salvaguardar os médicos em atividade”. Os autores concluíram: “O burnout está atingindo níveis epidêmicos globais entre os médicos.”

“Os sistemas de saúde e assistência em todo o mundo estão enfrentando uma grave crise na força de trabalho”, observaram. “O burnout é um forte preditor de abandono da carreira médica, bem como do [comprometimento do] atendimento ao paciente. No futuro, será necessário investir em estratégias para monitorar e melhorar o burnout do médico, como forma de preservar a força de trabalho na saúde e melhorar a qualidade do atendimento ao paciente.”

burnout como ‘ indicador de um local de trabalho desestruturado’

Em um editorial vinculado na mesma edição do artigo, Matthias Weigl, professor de segurança do paciente na Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn, na Alemanha, enfatizou: “Esses achados são um testemunho convincente do papel fundamental do burnout no abandono da carreira médica.”

Ele acrescentou: “O burnout está fundamentalmente enraizado no ambiente de trabalho. Embora se manifeste em indivíduos, o esgotamento profissional é um indicador de um local de trabalho desestruturado.”

“Medidas urgentes são imperativas para a segurança de médicos, pacientes e sistemas de saúde, incluindo intervenções baseadas em evidências e orientadas ao sistema, para projetar ambientes de trabalho que promovam o envolvimento da equipe e evitem o esgotamento”, comentou ele.

“Esta pesquisa contribui para a crescente evidência de que a má saúde mental dos profissionais de saúde compromete a qualidade e a segurança do atendimento ao paciente”.

O estudo foi financiado pela National Institute for Health and Care Research (NIHR) School for Primary Care Research. Todos os autores informaram que receberam subsídios da NIHR School for Primary Care Research para o trabalho em tela , sem outros conflitos de interesse concorrentes.

Fonte: Medscape